Amiga de morto após furto em supermercado diz que ele sabia que seria entregue para morrer: ‘Chame a polícia’
30/04/2021 15:12 em Bahia

A amiga de um dos homens mortos após furtar carne em um supermercado atacadista no bairro de Amaralina, em Salvador, disse que recebeu ligações dele pedindo ajuda e que ele sabia que seria entregue a traficantes da região. Yan Barros e Bruno Barros, tio e sobrinho, foram encontrados mortos com sinais de tortura na segunda-feira (26), na localidade da Polêmica, em Brotas.

Familiares fizeram uma manifestação na noite de quinta-feira (29), no bairro de Fazenda Coutos, onde eles moravam. O grupo cobrou justiça pelo crime.

A amiga de Bruno informou que ele entrou em contato por telefone após ser flagrado pelos seguranças, que cobraram dinheiro para liberar os dois. Entre as mensagens e ligações, Bruno pediu para chamar a polícia para evitar que ele fosse entregue aos traficantes.

“Ele disse: 'Os caras disseram que se eu não pagar a carne, eles vão me entregar aos traficantes’. Eu disse a ele que eu não tinha. Aí eu liguei para um, liguei para outro, liguei para um, liguei para outro. E não consegui falar com ninguém”, contou a mulher, que prefere não ser identificada.

 

“Aí ele continuou me ligando e eu dizendo ‘espera, estou tentando arrumar. Espera que eu estou tentando arrumar’. Então na última ligação ele falou assim: ‘Beiço, eles estão me entregando agora pelo estacionamento aos traficantes aqui do Nordeste’".

 

Segundo ela, na última ligação, Bruno apelou que ela fosse até o local. A mulher entrou em contato com os policiais, através de central telefônica, mas, não conseguiu evitar as mortes.

"‘Eu vou morrer! Não me deixa morrer, não! Vem para cá! Chame a polícia para me prender’. Foi a última coisa que ele me falou. Depois eu não consegui mais falar com ele. Cheguei a ligar para o 190, registrar uma queixa, mas não adiantou, porque quando a polícia chegou, já era tarde demais”, disse.

 

Entenda o caso

 

Na noite de segunda-feira (26), dois homens foram mortos na localidade da Polêmica, em Salvador. De acordo com a Polícia Civil, eles foram torturados e atingidos por disparos de arma de fogo. À época, a polícia informou que a motivação do crime estava relacionada ao tráfico de drogas.

Um dia depois, na terça-feira (27), eles foram identificados como Bruno Barros e Yan Barros. Na quinta-feira (29), a mãe de Yan, Elaine Costa Silva, revelou que ele foi morto após ter sido flagrado pelos seguranças do hipermercado Atakarejo por furtar carne no estabelecimento.

Segundo ela, o tio de Yan, Bruno, que também foi morto, enviou áudios a uma amiga informando o que tinha acontecido e pedindo ajuda para não ser entregue aos traficantes do Nordeste de Amaralina.

Por meio de nota, o Atakarejo informou que é cumpridor da legislação vigente, e atua rigorosamente comprometido com a obediência às normas legais, e que não compactua com qualquer ato em desacordo com a lei.

Disse também que os fatos questionados envolvem segurança pública e que certamente serão investigados e conduzidos pela autoridade pública competente.

Já a Polícia Militar informou que a 40ª CIPM não foi acionada para atender a ocorrência. No entanto, assim que tomou conhecimento, por meio de populares, de que teria ocorrido de um possível furto no estabelecimento comercial no bairro de Amaralina, a unidade deslocou uma equipe até o local. Quando chegou, funcionários não confirmaram o fato.

A Polícia Civil informou que algumas testemunhas foram ouvidas na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa e as investigações estão avançadas. Segundo o órgão, já há indicativo de autoria. As equipes da unidade realizam diligências e mais detalhes não podem ser divulgados para não interferir no andamento das apurações.

 

Repercussão

 

PSOL Bahia postou nota cobrando investigação e punição sobre o crime — Foto: Reprodução/Instagram

 

O caso tem repercutido nas redes sociais. O PSOL Bahia postou um manifesto no Instagram cobrando investigação e punição dos envolvidos. Veja o texto na íntegra abaixo:

*A Carne mais barata do Atakarejo é a Carne Negra!*

Bruno Barros da Silva (29) e Ian Barros da Silva (19) tiveram seus corpos encontrados com sinais de tortura, tiros e facadas em um porta mala de um carro no bairro da Polêmica na cidade de Salvador, na última segunda-feira.

Antes, eles haviam sido detidos por serem pegos furtando carne na unidade do Atakarejo do Nordeste de Amaralina e foram entregues por funcionários da unidade a traficantes da região.

A Rede Atakarejo até o momento não se posicionou a respeito. Este é mais um capítulo da política de extermínio programado do povo negro. Em uma unidade da Rede Atakarejo dois homens negros e pobres foram detidos por furtar carne e entregues a grupo traficantes da região que os executaram de forma cruel e bárbara.

Este episódio é a manifestação concreta da atual política de segurança pública e os discursos de ódio que investem na guerra aos pretos e pobres, no encarceramento em massa e na banalização do extermínio e violência racial como meio de controle da população negra que tem negado seus direitos por décadas de políticas econômicas neoliberais.

É esta cumplicidade do estado que permite que empresas privadas, como Atakarejo, possam agir a contrapelo das instituições e do estado democrático de direito como ocorreu na unidade da Rede Carrefour, em novembro de 2020, no Rio Grande do Sul. Exigimos a investigação e punição dos envolvidos como também a responsabilização da Rede Atacarejo pelo ocorrido.

Vidas Negras Importam! Chega de Genocídio do Povo Negro!

Djamila Ribeiro também se manifestou nas redes sociais a respeito do crime — Foto: Reprodução/Instagram

Djamila Ribeiro também se manifestou nas redes sociais a respeito do crime — Foto: Reprodução/Instagram

A pesquisadora, filósofa e escritora Djamila Ribeiro também se manifestou nas redes sociais e classificou o crime como desumano. Veja texto na íntegra:

NÃO HÁ DELITO QUE JUSTIFIQUE A DESUMANIDADE

Meu querido babalorixá, @rodneywilliam2018, me ensinou uma frase marcante: "não há delito que justifique a desumanidade". Dois jovens pretos, tio e sobrinho, foram detidos por seguranças de um hipermercado em Salvador por furtarem carne. Bruno Barros da Silva, de 29 anos e Ian Barros da Silva, de 19 anos. Em um momento de precarização, em que muitas pessoas não têm o que comer. Segundo relatos, os seguranças do estabelecimento entregaram os jovens para traficantes da área. Tempos depois, os corpos dos jovens foram encontrados sem vida com sinais de tortura. Historicamente, a gente sabe como pessoas negras são tratadas nesse país. Desde os açoites, linchamentos, "balas perdidas", desrespeito. Se fossem jovens brancos, o tratamento certamente seria outro. Facilmente seriam perdoados. Independente de onde seja, não há redenção para a população preta.

"Não há delito que justifique a desumanidade!"

Olívia Santana, deputada estadual, também se manifestou sobre o caso — Foto: Reprodução/Instagram

Olívia Santana, deputada estadual, também se manifestou sobre o caso — Foto: Reprodução/Instagram

A deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) também se manifestou sobre o caso e pediu justiça. Veja postagem na íntegra:

Que horror! Como pode uma coisa dessa acontecer? Um tio e um sobrinho, negros, pobres, moradores de Fazenda Couto, no subúrbio de Salvador, suspeitos de roubar carne de uma milionária rede de supermercados, segundo denúncias feitas por familiares, foram entregues a uma facção criminosa pelo próprios seguranças do supermercado. E foram mortos com requinte de crueldade.

Esse fato, descrito na matéria do @correio24horas (veja na bio) , precisa ser investigado e punido. A empresa ATAKAREJO deve uma resposta ao povo baiano. Caso toda essa situação fartamente fotografada e denunciada nas redes sociais e na imprensa se confirme, poderíamos estar diante de um gravíssimo caso de envolvimento da empresa com crime de milícia. Em vez de chamar a polícia chama a milícia???

Não podemos nos calar. Todas, todxs e todos temos juntos que lutar por justiça!

O vereador de Salvador, Silvio Humberto (PSB), também cobrou rigorosa investigação do caso por meio das redes sociais. Confira texto na íntegra abaixo:

Esse é mais um dos absurdos em tempos de pandemia. Vamos acionar as autoridades policiais por meio da Comissão Municipal de Reparação e da Comissão Especial de Direitos Humanos. Cobraremos rigorosa investigação para que seja apurada a responsabilidade do estabelecimento comercial. O que aconteceu com estes jovens foi uma brutal violação dos direitos!

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