Artistas, blocos e camarotes que ajudam a fazer o carnaval de Salvador estão apreensivos com a possibilidade de não realização da festa em 2021 por causa da pandemia do coronavírus. O alerta já foi feito tanto pelo governador Rui Costa quanto pelo prefeito ACM Neto em entrevistas recentes. Nos bastidores, os setores que organizam o carnaval da capital baiana dão como certo de que a festa não poderá ser realizada.
O Camarote Salvador, por exemplo, um dos mais famosos e luxuosos do circuito de Ondina, já divulgou a política de cancelamento e devolução dos pacotes comprados, apesar das vendas ainda estarem disponíveis. Em entrevista ao G1, Reinaldo Santos, que é vice-presidente do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar), afirmou que dificilmente a festa vai acontecer. “O que a gente está vendo é que o problema da pandemia não vai permitir a execução do carnaval. É a mesma posição de Rio de Janeiro, São Paulo e os estados que fazem o carnaval mais ativamente, como aqui”, disse. O Comcar é o colegiado instituído por lei para regular o carnaval e outras festas populares em Salvador. Sem o carnaval, mais de R$ 1 bilhão deve deixar de circular em Salvador, se comparado com os números que a festa gerou em 2020. De acordo com dados da Secretaria de Turismo do Estado, mais de 600 mil turistas se hospedaram na capital baiana e no entorno, gerando uma receita de aproximadamente R$ 1,25 bilhão. A pesquisa compreende o período entre 20 e 26 de janeiro, e mostra que 92% desses turistas são oriundos do próprio país. A realização da festa carnavalesca está atrelada ao surgimento de uma vacina em escala global para proteger a população do contágio do coronavírus. Embora uma vacina desenvolvida no Reino Unido esteja prevista para ser testada no Brasil, muitos cientistas não acreditam na imunização da população ainda este ano. O infectologista Gúbio Soares, cientista que identificou o Zika Vírus no país, crê que só haverá uma vacina em escala mundial em dois ou três anos. Uma das artistas mais importantes da música baiana, a cantora Margareth Menezes acredita que, se não houver uma vacina disponível, seria uma irresponsabilidade pensar em carnaval. “É uma incógnita, mas no ritmo que estamos aqui e se não houver uma vacina viável...porque não adianta ter a vacina e não chegar no Brasil, eu acho que é uma grande irresponsabilidade porque a vida humana tem que estar em primeiro lugar”, afirmou. O cancelamento do carnaval afetaria não só os artistas, mas toda uma cadeia de trabalhadores que gira em torno da festa mais importante da cidade. “O prejuízo não é só para o artista, é para o país. Qualquer movimentação que você faça, um festival... O Brasil tem essa cultura no dia a dia, de produção artística em todas as esferas, o Brasil é um gerador de renda de milhões de pessoas”, afirmou Margareth Menezes. "Quando se fala em artista, as pessoas estão acostumadas a ligar àquela parte mais superficial, que é o sucesso, o glamour, que são as etapas finais. Mas há a pessoa que trabalha na mesa de som, o técnico de luz, o contrarregra, motorista, camareira. É uma cadeia imensa de pessoas que se beneficiam das artes. É ignorância olhar isso com desprezo".O empresário Michel Cohen, sócio da empresa Diva Entretenimento, que produz o camarote Harém, pede cautela. Embora confesse estar apreensivo com a possibilidade de cancelamento do carnaval, ele afirma que há uma precipitação ao tratar sobre o tema. “Eu acho que está muito cedo para fazer uma afirmação desse tipo. A gente está entrando agora no mês de junho e não se pode afirmar como será em fevereiro de 2021. Não é hora ainda de estar se falando sobre isso”, afirmou. Cohen afirma que a essa época do ano, em um período de “normalidade”, os detalhes sobre a preparação do carnaval ainda não estariam sendo discutidos. “A gente ainda não estaria tratando sobre o assunto. Apesar de pensar o ano todo, a gente começa a trabalhar efetivamente a partir de setembro, definir atrações, a parte de estrutura, decoração. É por isso que a gente fala que está muito cedo para estar se falando em realização do carnaval”, disse. "O próprio governo só se preocupa com o carnaval depois do réveillon. Esse é o grande questionamento. Claro que essas coisas acontecendo do jeito que estão, a doença evoluindo, não vai fazer sentido lá. Mas está muito cedo para falar sobre carnaval de 2021". Esse não é o caso do Ilê Aiyê, o bloco afro mais antigo do Brasil. As vendas dos carnês para desfilar com o “mais belo dos belos” já estariam acontecendo desde o mês de abril. "Esse ano, nós iríamos falar do carnaval da Liberdade. Nem chegamos a lançar oficialmente".Mesmo que o carnaval seja realizado, a perspectiva é de um ano muito abaixo do comum em relação aos lucros, como explica Michel Cohen. "No melhor cenário, que é tendo o carnaval, a gente já sabe que vai ser muito ruim, por conta do medo das pessoas, por conta da questão econômica. A gente está tendo um grande número de empresas quebrando, pessoas desempregadas, expectativa de um PIB negativo entre 5% e 6%. Essa queda na economia acaba refletindo em nosso negócio". "O melhor cenário é ruim. O pior é catastrófico". Para alguns artistas, as lives musicais surgem como possibilidade de renda. A cantora Margareth Menezes estreará no ramo neste sábado (6), às 19h30, com transmissão pelo Youtube e doações arrecadadas para as Mães da Favela, projeto da Central Única das Favelas (CUFA). Ainda assim, ela alerta que é preciso pensar em outros atores da cadeia, como técnicos de som, de iluminação, músicos com menos visibilidade, entre outros. “Não podemos ser egoístas e pensar só em nós. A cadeia atinge a pessoa que toca no barzinho, porque aquele dinheiro que ele ganha ali, é da subsistência dele”, conclui.*G1BAHIA— Foto: Max Haack/Ag Haack