Camaçari: Preso, padrasto de Eva é indiciado por estupro e tortura; ele nega crimes.
Bahia
Publicado em 22/02/2019

O padrasto da jovem Eva Luana da Silva, Thiago Oliveira Alves, 37 anos, foi indiciado pelos crimes de estupro de vulnerável, tortura e violência contra a mulher. A história da estudante de Direito de 21 anos, moradora de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), chocou o Brasil na última terça-feira (19).

Na ocasião, Eva publicou um relato em seu Instagram, dividido em cinco partes, sobre o pesadelo que viveu nos últimos oito anos. Estupros, agressões, torturas física e psicológica eram acontecimentos diários. O agressor denunciado por ela, pela mãe (também vítima) e agora pela polícia era justamente Thiago – um paulista que já tinha sido preso em São Paulo por roubo de carro e que, na Bahia, se tornou estudante de Direito e assessor de uma secretaria municipal de Camaçari.

Nesta quarta-feira (20), Eva conversou com a imprensa e narrou momentos de terror que viveu com o padrasto.

De acordo com a delegada Florisbela da Rocha, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari, o inquérito policial já tinha sido concluído desde o início do mês – antes mesmo da prisão de Thiago, que aconteceu no último dia 13. A denúncia de Eva foi registrada duas semanas antes – no dia 30 de janeiro, quando o agressor chegou a divulgar que a enteada estava desaparecida.

“No dia 31 (de janeiro), ele (Thiago) já saiu com medida protetiva. Foi nossa preocupação, nosso trabalho. Nós temos nossas limitações e o nosso trabalho foi feito com sucesso. Agora, vamos apurar o que surgir e encorajar mais mulheres a denunciar”, disse.

Devido ao fato de o processo correr em segredo de Justiça, a delegada não quis comentar detalhes sobre a investigação. Ela apenas informou que Thiago negou que tenha cometido qualquer um dos crimes. O padrasto já está no sistema prisional. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado (Seap), ele foi encaminhado ao Centro de Observação Penal.

Força-tarefa
Para investigar o caso, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) chegou a designar seis promotoras para atuar na análise do inquérito – uma delas é Anna Karina Senna, substituta na 10ª Promotoria de Justiça de Camaçari. Em nota, o órgão informou que a denúncia foi oferecida no último dia 11.

A advogada de Eva, Maria Cristina Carneiro, explicou que o sigilo do processo já foi quebrado quando a jovem tornou as acusações públicas. “Antes, o sigilo era em razão da proteção dela”. Nesta quinta-feira (21), dia seguinte à repercussão, a advogada contou que Eva está se sentindo mais segura, devido à grande quantidade de manifestações em apoio.

A estudante ainda não retornou às atividades de sua rotina – como as aulas no curso de Direito e o estágio no Fórum de Camaçari. “Ela está fazendo atividades domiciliares por enquanto. Estamos agilizando de modo que ela possa fazer tudo em casa, porque não é recomendado voltar ainda. Por enquanto, ela não tem previsão de voltar”.

Queixa ‘retirada’
Em seu relato, Eva contou que foi forçada a retirar a queixa que registrou em 2011, quando tinha 13 anos. Segundo ela, o caso não teria nem mesmo chegado ao Ministério Público. De acordo com o advogado Daniel Keller, que também integra a defesa da jovem, uma vítima de estupro de vulnerável não poderia retirar uma queixa.

“Isso não é possível. A lei não prevê isso. Nem se depois ela alegasse que mentiu. A delegacia tem que concluir a investigação e enviar ao MP. Quem decide pelo arquivamento de uma investigação é o promotor, não o delegado”, afirmou Keller.

A então delegada titular da Deam de Camaçari na época da primeira denúncia, Thaís Siqueira, garantiu que o inquérito policial foi concluído e encaminhado ao MP. Na época, o caso foi investigado por um delegado designado para atender especificamente crimes contra a criança e o adolescente. Ela não quis, porém, divulgar o nome do profissional.

Na época, Eva chegou a ser ouvida em três momentos, todos na delegacia. Na primeira vez, ela registrou a queixa, no fim de 2011. “Na segunda vez, ela voltou atrás. Disse que a mãe tinha mandado inventar a história, mas o inquérito foi encaminhado à Justiça (em março de 2012)”, afirmou a delegada, hoje titular da 18ª Delegacia (Camaçari).

Só que o inquérito foi remetido à polícia novamente, em agosto daquele ano, pelo MP. Nessa ocasião, Eva voltou a ser ouvida, especialmente sobre um laudo que foi produzido pela perícia. Mais uma vez, disse que a queixa registrada era mentira. O inquérito foi remetido novamente ao MP, dessa vez no dia 21 de dezembro de 2012. Depois disso, não voltou mais.

“O papel da Polícia Judiciária foi feito, que é instaurar o inquérito, peça informativa, colher as oitivas. Na época, houve o laudo e ela foi acolhida naquele momento. O que está acontecendo hoje é que ela teve coragem e, com apoio da Deam, novamente, se sentiu mais forte”, completou Thaís.

Mesmo sendo a titular da unidade, na época, a delegada afirmou que nunca esteve com Eva. No início, ela foi acompanhada pelo delegado que cuidava dos casos contra a criança e o adolescente. Quando o inquérito foi devolvido pelo Ministério Público, Eva teria sido ouvida por uma delegada substituta – Thaís estava de férias.

“O que ela passou é inadmissível, terrível, mas delegado não pode arquivar inquérito. A Deam de Camaçari não ia pegar um caso desses e deixar passar”, reforçou.

O MP informou, através de nota, que “como não foram reunidos elementos que comprovassem a prática do abuso sexual, não houve denúncia”. Acrescentou ainda que “o MP prosseguiu com a apuração do crime de ameaça” e “mesmo após a vítima demonstrar falta de interesse no prosseguimento do caso, o Ministério Público estadual, atento à prática de crime de violência doméstica e familiar, requereu a designação de audiência judicial para que Luciana Maria da Silva [mãe de Eva] se manifestasse sobre o aparente desinteresse em relação ao prosseguimento do feito”.

Camaçari ainda não tem Ronda Maria da Penha
Em Camaçari, cidade onde a jovem Eva Luana morava, não existe Operação Ronda Maria da Penha – serviço da Polícia Militar que promove visitas às casas das mulheres que têm medida protetiva concedida pela Justiça. Criada em 2015, a operação acompanha cerca de quatro mil vítimas em todo o estado.

De acordo com a major Denice Santiago, comandante da Ronda Maria da Penha, quando o agressor descumpre uma medida protetiva – caso do padrasto de Eva, Thiago Oliveira Alves –, ele está cometendo um novo crime. Em cidades como Camaçari, onde não há a presença da Ronda, as mulheres que têm medida devem acionar o batalhão mais próximo.

“Nesse caso, qualquer mulher pode ligar para o 190, solicitando o apoio da viatura mais próxima”, explica a major.

Camaçari deve receber uma unidade da ronda em breve – está entre as cidades do interior do estado e da RMS previstas no indicativo do Comando Geral da PM.

Para a comandante, a rede de proteção à mulher no estado está “em permanente ebulição”. De 2011, quando Eva fez a primeira denúncia, para cá, muita coisa mudou. “Somos um microorganismo em constante mutação para nos adequarmos às especificidades que esses crimes trazem. Cada dia é uma coisa nova”, pontua major Denice.

*Correio

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