Antes das queimaduras, os patrões ainda colocaram um pano na boca de William, para servir como mordaça e abafar os gritos de dor do jovem.
"Não vi arrependimento no olhar dele, eu vi o querer fazer toda essa situação que ele fez comigo. Ele queimava com calma para eu sentir a dor. Eu gritava muito, apesar de eu estar com o pano a boca, para não fazer zoada, para não chamar atenção. Ele me queimava devagar, com aquela crueldade, ainda falando que não queria estar na minha pele".
Ameaças de morte e 'tribunal do crime'
O caso ocorreu na primeira quinzena de agosto, mas a história só foi denunciada à polícia no dia 26, porque as vítimas foram ameaçadas pelos homens para não prestarem queixa, e ficaram com medo. Além das agressões, os investigados filmaram a situação e expuseram na internet.
Vítima das agressões, Marcos Eduardo Serra foi o primeiro a procurar a delegacia. Ele trabalhava no local há cerca de um ano. Nas imagens, Marcos aparece sentado, recebendo pauladas nas mãos.
"Foi traumatizante. Tanto que eu não durmo direito, me assusto de madrugada, porque ele me ameaçou. Ele ameaçou pegar a gente. Falou que ia chamar os homens da boca [traficantes] que ele mora para pegar a gente. Ameaçou de morte", relatou o jovem.
A intimidação e ameaça foi uma prática semelhante ao crime praticado contra Bruno e Yan Barros – tio e sobrinho mortos após furto de carne em um supermercado de Salvador: o tribunal do crime. Na ocasião, em abril de 2021, as vítimas foram entregues a traficantes que se organizavam como grupo de extermínio.
Já William de Jesus, além de agredido, também teve as mãos queimadas com um ferro de passar roupas. Os agressores escreveram o número 171 na vítima, em referência ao crime de estelionato.
"Já ia fazer dois meses eu trabalhando na loja. Ele me acusou de roubo sem prova nenhuma, entendeu? No momento em que ele estava me batendo, ele estava gravando para que eu confessasse. Eu falei: 'rapaz, eu não vou confessar nada não, porque eu não roubei nada", contou William.
Afronta aos Direitos Humanos
Para o presidente do núcleo Bahia do grupo Tortura Nunca Mais, Joviniano Neto, o caso é uma barbárie e afronta aos princípios dos Direitos Humanos e da dignidade humana.
"Existe, na sociedade brasileira, uma ideia de que o modo de enfrentar os crimes – ou suspeitas de crimes – é o uso da violência, é o uso da intimidação. A mais feroz possível. E, ao contrário [do que se pensa], a violência só faz aumentar a violência".
"Quando os patrões divulgaram o ato criminoso, eles tinham confiança e crença de que tinham direito. O mesmo direito que os senhores de escravos tinham antigamente, no período colonial, de supliciar os seus subordinados, os seus escravos".