Em um ano de restrição às operações policiais no RJ, número de mortes e tiroteios cai no estado, diz relatório
07/06/2021 10:42 em Brasil

O último dia 5 de junho marcou um ano da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de suspender operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus, exceto em casos excepcionais, justificados e comunicados ao Ministério Público.

A suspensão foi baseada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que é uma ação de controle prevista na Constituição e tem como finalidade combater atos desrespeitosos aos chamados preceitos fundamentais. A liminar de Fachin ficou conhecida como ADPF 635 ou ADPF das Favelas.

O resultado dessa restrição no período é a diminuição de mortos por armas de fogo (-30%), tiroteios (-23%) e de mortes de agentes de segurança (-30%), segundo relatório elaborado pela plataforma Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O relatório comparou dados dos últimos 12 meses, desde a decisão do STF, com o mesmo período anterior (junho de 2019 a junho de 2020), e constatou que houve significativa redução de tiroteios e mortos no Grande Rio. Veja mais detalhes abaixo.

 

  • Tiroteios/disparos de armas de fogo: - 23%
  • Tiroteios com presença de agentes de segurança: -33%
  • Mortos por armas de fogo: -27%
  • Mortos por armas de fogo com presença de agentes de segurança: -30%
  • Agentes de segurança mortos: -26%
  • Agentes de segurança feridos: -16%
  • Interrupção de transporte de massa por tiros: -50%
  • Interrupção de vias por tiros: -6%

 

 

“Restringir as operações policiais foi a medida mais importante das últimas décadas para a preservação da vida no Rio de Janeiro. A letalidade policial no ano de 2020 apresentou um decréscimo de 34% com relação ao ano anterior, é maior redução anual dos últimos quinze anos”, diz trecho do documento.

 

 

Operações policiais cresceram em 2021

 

O relatório, no entanto, aponta uma retomada de operações policiais no começo de 2021, com destaque para a ação no Jacarezinho, a mais letal da história do estado, com 28 mortos.

“O relatório mostra que no período de vigência da liminar houve diminuição das operações policiais e, portanto, da letalidade policial no cômputo geral, com consequente diminuição dos crimes contra a vida e o patrimônio. Mas quando a gente segmenta este ano, percebe que tem havido uma crescente desobediência à decisão do STF, que vem produzindo um aumento das operações, da letalidade e dos crimes contra à vida e o patrimônio. O que a gente percebe é uma afronta porque o patamar das operações policiais já se encontra próximo, quando não superior, àqueles quando foi determinada a liminar”, diz o sociólogo Daniel Hirata, coordenador Geni.

O documento diz que entre os meses de junho a setembro de 2020, a decisão liminar foi “razoavelmente obedecida”, com média de 18,7 operações no período. A média do mesmo período anterior era de 32,8.

Já de outubro a dezembro do ano passado, o relatório afirma que a decisão passou a ser “desobedecida” e houve aumento significativo do número de operações policiais com média de 27 ações entre os meses.

Nos meses de janeiro a abril de 2021, a média sobe para 41,7, no que o relatório classifica de “clara afronta à decisão” com número de operações policiais e de letalidade superando patamares anteriores à decisão liminar do STF, que era de 32,8.

O documento destaca ainda que de janeiro a maio deste ano foram registradas 30 chacinas (eventos com 3 mortes ou mais), sendo 24 em operações policiais, entre elas a do Jacarezinho – que completou um mês no domingo (6).

 

"A operação no Jacarezinho expôs não apenas o descumprimento da liminar, mas expôs também os limites da decisão do STF. É preciso fazer mais do que ordenar a suspensão de determinado tipo de ação das polícias, é preciso exigir a sua requalificação para cumprir o preceito constitucional de garantia da vida", diz a Diretora de Programas do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto.

 

O relatório também combate a ideia de que as operações policiais seriam necessárias para diminuir a criminalidade na região em que acontecem.

De acordo com dados fornecidos pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), no período de junho a setembro, em que a liminar do STF foi mais obedecida, houve redução na média de crimes contra a vida (215,5), e também nos crimes contra o patrimônio (7225,5).

Já de outubro a dezembro de 2020, quando o número de operações começa a subir, ocorre um aumento de 39,6% dos crimes contra a vida e de 9,2% dos crimes contra o patrimônio, mas a média mensal dos crimes contra a vida (301) e dos crimes contra o patrimônio (7897) se mantém.

De janeiro a abril, há novo aumento com 39,9% nos crimes contra a vida (321,6) e 12,1% os crimes contra o patrimônio (8105,7).

 

“Há que se fazer uma reflexão sobre essa afronta tanto do impacto da preservação da vida, quanto da ineficiência das operações em controlar os crimes – porque eles estão aumentando -, mas ainda ao processo da autonomização das forças policiais, o que está ameaçando as forças democráticas. As forças policiais se colocaram, tendo por base esse número, numa posição de afronta ao STF, e é muito importante que as autoridades políticas e jurídicas se posicionem para que se possa realizar o controle das atividades policiais”, observa Hirata.

 

 

ADPF das Favelas em análise no STF

 

Ainda em vigor, a ADPF das Favelas está em análise pelo STF por causa de um pedido do PSB, que quer criar novas regras para a liminar. O partido alega "agravamento do cenário de letalidade da ação policial no estado do Rio de Janeiro, em pleno quadro da pandemia da Covid”.

O julgamento começou no dia 21 de maio, já teve o voto do ministro Edson Fachin, que é o relator do caso, mas foi suspenso após o ministro Alexandre de Moraes pedir vistas – ou seja, mais tempo para analisar a ação.

Em seu voto, Fachin defendeu que o governo do Rio elabore um plano para reduzir a letalidade policial e que controle possíveis violações dos direitos humanos pelas forças de segurança.

O ministro também quer que o Ministério Público Federal investigue as denúncias de descumprimento da decisão que suspendeu a realização de operações policiais no Rio, inclusive a do Jacarezinho, que, para ele, não se enquadrava como excepcional.

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