Cinco anos após zika, crianças com microcefalia sofrem com falta de terapias e remédios devido ao novo coronavírus.
20/05/2020 09:09 em Brasil

A vida de crianças que nasceram com microcefalia causada pela epidemia de zika, que ocorreu em 2015, é repleta de terapias, que garantem que elas se desenvolvam sem tanto prejuízo. Em Pernambuco, um dos locais mais afetados do país, há 421vítimas dessa má-formação. Há cinco anos, no estado, pelo menos 266 bebês nasceram com a Síndrome Congênita do Zika Vírus. Em 2020, todas que sobreviveram à epidemia causada pelo Aedes aegypti tiveram os tratamentos interrompidos por causa da pandemia do novo coronavírus. Isso provocou ainda mais problemas para as famílias afetadas. Uma dessas crianças é Kauan, filho de Jennifer Oliveira, de 26 anos. Eles moram em Nova Descoberta, comunidade da Zona Norte do Recife. "A vontade que dá é de colocar ele numa bolinha de vidro e proteger de todo mal. Nossos filhos estão regredindo. Não vou dizer que em tudo, mas em uma parte, sim. É muito difícil estimular eles em casa, mas a gente faz o que pode. Meu maior medo é que Kauan precise usar uma sonda para se alimentar", disse Jennifer. O menino, de 5 anos, faz terapias ocupacional, respiratória, motora e fonoaudiológica. Esse conjunto de tratamentos permite que ele até mesmo frequente a escola. Mas tudo mudou em março deste ano, com uma das notícias mais temidas da vida de Jennifer Oliveira e de todos os que já sentiram os efeitos de uma epidemia: o coronavírus chegava a Pernambuco, com ares de pandemia. A situação preocupa, principalmente, porque Jennifer, assim como mais da metade das mães de crianças com microcefalia, é de baixa renda. Faltam, além das terapias, remédios e acompanhamento médico. Jennifer, que trabalhava como técnica em enfermagem, conseguiu receber R$ 1,2 mil do auxílio emergencial do governo federal. Para ela, esse valor representava muito no orçamento. Entretanto, hoje, ela e o filho sobrevivem, principalmente, com doações de outros familiares — a começar pela casa, cedida pela avó. Em fevereiro, foi aprovada uma medida que concede pensão vitalícia a crianças com microcefalia causada pelo zika. Entretanto, só foi contemplado quem, antes, recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Kauan não teve direito porque, há três anos, o auxílio dele foi cortado, quando a mãe conseguiu um emprego, do qual logo precisou sair para cuidar do filho. "Eu saí do emprego, porque não dava para conciliar o trabalho com os cuidados a ele, mas ele [benefício] já tinha sido cortado. Faz três anos que isso segue rolando e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não diz nada. Agora, na pandemia, é que não vão dizer mesmo", lamentou a mãe.

O dinheiro do auxílio, segundo Jennifer, foi utilizado, para além da sobrevivência dela e do filho, para a compra do remédio Levetiracetam, o Keppra, anticonvulsivo utilizado pela maioria das crianças com microcefalia. O medicamento, segundo a mãe de Kauan, é fornecido pelo governo do estado, mas há 3 meses está em falta na Farmácia do Estado. "É muito caro, mais de R$ 100, um vidro. Eu comprei, porque ele não pode ficar sem. Ele também está sem receita para os remédios controlados, porque não teve mais consulta com a neuropediatra. O tratamento foi todo interrompido. A situação é muito difícil", afirmou. Se os efeitos da pandemia do novo coronavírus afetam a toda a sociedade, para Kauan, a saída da rotina tem sido devastadora. Para a mãe, que vê os danos causados ao filho, a sensação é de impotência. "Eu estou muito preocupada porque ele tem problemas respiratórios e é de risco. Ele tem muita dificuldade para respirar e, por isso, a fono é muito importante. Ele nunca usou uma sonda, graças a Deus, desde que nasceu, mas meu medo é que isso aconteça agora. É meu maior medo. Eu tenho notado ele bem estressadinho, porque tinha uma rotina de sair cedo, ir para a escola, as horinhas dele. É muito tempo dentro de casa, ele está bem sedentário", afirmou.*G1— Foto: Acervo pessoal

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