'Não tem comida em casa': o drama das mães de crianças vítimas do zika na fila do INSS.
Brasil
Publicado em 04/03/2020

Faz meses que o peso da pequena Brenda, de 1 ano e 5 meses, não passa dos 7,3 kg. Da última vez que levou a filha ao médico, no dia 12 de fevereiro, recebeu o alerta de que, se a menina não ganhasse peso até a próxima consulta, pode precisar de uma sonda gástrica. "Não tem comida em casa, o que tinha já acabou", conta, emocionada, a mãe Jéssica Paula Lima, 26 anos.

Quando ela conversou por telefone com a repórter da BBC News Brasil estava na casa de outra mãe para almoçar com as crianças.

Já vai fazer um ano que Jéssica pediu pela primeira vez o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, em uma agência do instituto Nacional do Seguro Social de Recife, em Pernambuco. Até hoje, não passou sequer pela perícia. De acordo com o INSS, existem atualmente no país 420 mil pedidos de BPC como os de Jéssica, que aguardam mais de 45 dias para serem analisados. Os atrasos atingem justamente a parcela mais vulnerável da população, que em geral não tem outra alternativa de renda, nem condições de trabalhar. No caso de Jéssica, como nos da grande maioria das mães de crianças com a síndrome congênita, conciliar outras atividades é impossível: os cuidados com as crianças, que têm pouca ou nenhuma autonomia para atividades cotidianas, exigem dedicação em tempo integral, na qual a mãe quase sempre é sobrecarregada. Brenda tem microcefalia e outras alterações causadas pela síndrome congênita do zika, registrada em bebês expostos ao vírus ainda no útero e que causa diversos efeitos neurológicos no recém-nascido, como malformações na cabeça, movimentos involuntários, convulsões, irritabilidade, problemas de deglutição, baixa visão e audição. A epidemia atingiu principalmente mulheres de baixa renda, em áreas com falta de saneamento básico, mais favoráveis à proliferação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da doença. Jéssica dedica o tempo todo aos filhos, com quem mora em um quartinho alugado em Recife. Brayan, de 4 anos, em autismo e também precisa de remédios de uso contínuo. Ela já tentou pedir o benefício do BPC para o filho, mas a solicitação foi negada. O filho mais velho, de 12 anos, mora com o pai, desempregado, de quem Jéssica se separou há um ano. "A renda que tenho são R$ 171 do Bolsa Família. Pago R$ 100 do aluguel e com os R$ 71 eu me viro". O valor do benefício é o mesmo há três anos, diz, com exceção do período em que estava grávida, quando recebeu R$ 46 até a bebê completar seis meses de idade. "Depois volta ao valor normal". Brenda precisa de fraldas, leite especial e suplemento alimentar, que Jéssica já não tem dinheiro para comprar. A medicação contra convulsões também acabou e não está disponível pelo Sistema Único de Saúde. A perda de peso da filha tem deixado a mãe cada vez mais apreensiva e triste.

"Às vezes quando tem verdura ou qualquer outra coisa eu cozinho e bato no liquidificador e dou para ela. Verdura, suco, qualquer coisa que tem ela toma, só na mamadeira. Porque ela está com [disfagia dificuldade de engolir], e não está aceitando nada na colherzinha, nem papinha mais grossa, ela engasga e vomita", conta. "A médica disse que na próxima consulta se não aumentar o peso um pouquinho vai ter que ir para a sonda."*G1 — Foto: Arquivo pessoal

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