Brumadinho convive com adoecimento mental um ano após tragédia da Vale.
21/01/2020 10:25 em Brasil

Crescimento do número de suicídios e de tentativas de autoextermínio, aumento do consumo de antidepressivos e ansiolíticos, elevação de afastamento entre profissionais de saúde: o diagnóstico é da Secretaria Municipal de Saúde de Brumadinho. Um ano após a tragédia da Vale, a cidade convive com o adoecimento mental de parte da população.

“Essa tragédia, esse crime, isso fez com que despertasse um movimento mental que tem adoecido as pessoas. Sensivelmente, é perceptível o adoecimento mental de grande parte da população”, diz o secretário Municipal de Saúde, Júnio Araújo.

Segundo o secretário, em 2019, o uso de antidepressivos cresceu 56% e o de ansiolíticos aumentou 79% em comparação com 2018. Os casos de suicídio passaram de 1 para 5, sendo 3 no município e dois na região, conforme a assessoria da prefeitura. Já as tentativas saltaram de 29 para 47. Araújo, entretanto, acredita que esse último número possa ser ainda maior.

“Quando a tentativa do autoextermínio não chega a êxito, a família, a própria pessoa tem vergonha de procurar o serviço [de saúde]. Dentro da família, eles tentam esconder e só vão à unidade de saúde quando a situação é mais gravosa”, explica.

A doméstica Vicentina Moreira do Prado, de 42 anos, traz nas mãos as marcas de sentimentos que surgiram após a tragédia em que perdeu uma prima, além de amigos. São feridas provocadas por mordidas. “O psicólogo falou que, como eu não tenho ninguém para desabafar, eu estou mordendo a mão", conta. Segundo Vicentina, como grande parte da cidade está em luto, ela não se sente à vontade para falar dos sentimentos. "Eu chego em Brumadinho, eu vou conversar com meus amigos — todo mundo perdeu alguém. O meu marido trabalha na Vale. Eu não posso conversar com ele porque ele perdeu muito amigo também. As minhas crianças são pequenas. Então, todo mundo que eu vou conversar sempre perdeu alguém lá na Vale”, conta a doméstica.

Vicentina vive na comunidade de Ponte das Almorreimas, lugarejo onde está sendo instalado um ponto de captação do Rio Paraopeba. Atingido pela lama, o rio teve seu uso proibido e agora é construído um novo local para a retirada de água, antes do trecho do rompimento da barragem. Da janela de casa, Vicentina pode ver as obras que, segundo a doméstica, tiraram a paz e a tranquilidade da comunidade. Para ela, nestes últimos de 12 meses, o consumo de medicamentos e o tratamento com psicólogo e psiquiatra se tornaram usuais. Essa rotina é compartilhada com a irmã Sônia Alves Moreira, de 45 anos. Com tantas máquinas e funcionários trabalhando ao lado de casa, ela reclama da perda da liberdade e da segurança, além do barulho.

Vivenciando dia a dia os transtornos da obra, Sônia ainda se sente muito abalada com toda a tragédia. “Não tem como te explicar o que que vem na minha cabeça. Do jeito que tanta gente morreu, eu vou pôr fogo nessa casa aqui e sair. Morrer também. Sabe por quê? De agonia, tristeza”, desabafa.

No centro de Brumadinho, casos assim se repetem. Para suportar os dias, o empresário Antônio Queiroz Ribeiro, de 48 anos, tem recorrido a altas doses de medicamentos. “Acaba sendo prejudicado todo mundo. Porque o sofrimento de você ver os outros sofrendo, você sofre em pânico”, desabafa.

Na drogaria em que é cliente, foi preciso até aumentar o espaço para estocar antidepressivos e ansiolíticos. “Tinha produto que você comprava 6, hoje você compra 40, 50. Antidepressivo é uma coisa de doido, está vendendo, mas está vendendo demais. Agora, as pessoas têm tido dificuldade em conseguir receituário. Então, o que a gente faz? A gente passa um calmante natural até ela conseguir o receituário porque está faltando médico especialista”, afirma o dono da farmácia, Carlos Roberto de Lima, de 67. O secretário de Saúde diz que a prefeitura precisou aumentar o quadro de pessoal na área da saúde e avalia que a quantidade de profissionais é suficiente. “No geral, nós tínhamos 790 trabalhadores no SUS antes do rompimento da barragem. Hoje nós estamos com 1.190 trabalhadores”, afirma.

A agente de saúde comunitário Adriana Mendes de Jesus, de 41 anos, vive na mesma comunidade onde moram irmãs Vicentina e Sônia e viu de perto a busca pelo Sistema Único de Saúde crescer após a tragédia. “Aumentaram bastante os atendimentos porque tem muita gente que procura mais o SUS, principalmente na psicologia porque está muito abalado com tudo isso que está acontecendo. Aqui a gente tem bastante idoso. Então, dificilmente, eles conseguem entender o que está acontecendo. Para eles é bem difícil, bem complicado”, afirma. Diariamente, Adirana precisa lidar com a dor, o luto e os traumas de pacientes. Mas, para ela, a tragédia também trouxe a perda de primos, de um concunhado e de amigos. “Eu posso falar que hoje eu sou uma pessoa doente. Estou cuidando e preciso de cuidado”, diz. O secretário de Saúde confirma aumento do adoecimento dos profissionais da área, principalmente no campo da enfermagem. De acordo com Araújo, em 2019, foram cerca de 100 afastamentos contra aproximadamente 15 em 2018.

“É uma cidade marcada. É uma marca tão forte que eu comparo ela ao holocausto. A vida toda essa cidade vai estar marcada. (...) É uma cidade toda doente recebendo essa ressonância do fato ocorrido há muito pouco tempo. Então é uma coisa que vai demorar a passar”, diz.*G1 — Foto: Raquel Freitas/G1

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