Os depoimentos das mulheres que denunciaram João de Deus por abusos sexuais e que levaram à nova prisão do idoso apontam que elas mantêm traumas e sofrimentos até hoje, anos depois dos crimes. A Justiça acatou um pedido do Ministério Público que apontou que as vítimas não se sentiam seguras com o acusado em prisão domiciliar.
A 15ª denúncia tem cerca de 50 depoimentos, mas apenas sete serão julgados, pois todos os outros prescreveram.
Ao ser encaminhado para o Núcleo de Custódia de Aparecida de Goiânia, João de Deus foi questionado se era inocente. “Vou deixar na mão de Deus”, respondeu.
A defesa do acusado disse que recebeu a notícia da prisão com “espanto" e que "se mostra estarrecida diante da flagrante ilegalidade da nova prisão". Em nota, os advogados disseram que vão recorrer da decisão.
Uma das mulheres apontou que, ao perceber que tinha sofrido abuso, teve uma “avalanche de sentimentos”, passando pela raiva, revolta, ódio, desejo de vingança, medo, vergonha e impotência.
“O que eu poderia fazer? Levar a público um relato e iriam acreditar em quem, em mim ou nele que ‘salva’ tantas pessoas? Que provas eu teria para provar que ele abusou de mim? Se até meus pais acreditavam nele? Quem iria sustentar minha decisão?”, diz a mulher na denúncia.
Ela relatou ainda os traumas carregados desde o abuso dentro da Casa Dom Inácio de Loyola. “Os meus longos 8 anos de terapia, a enxaqueca de fundo emocional, a destruição de uma feminilidade que deixou de existir por conta de um trauma que nunca foi superado são alguns dos exemplos das marcas que carrego comigo”.
“Ele roubou parte da minha vida, da minha alegria, da minha felicidade, da minha liberdade e dignidade”, completou.
Foto de João de Deus no registro do sistema penitenciário — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
Outra mulher relatou que também foi vítima de João de Deus durante atendimento espiritual. Ao Ministério Público, ela relatou que também teve medo de denunciar o crime por medo de represálias e descrédito. Ela, que se mudou do país, disse que conversava apenas com uma pessoa, que também foi vítima.
“Eu tenho certeza que todo mundo sabia do que se passava, não tenho dúvida nenhuma [...] mas, principalmente para as vítimas, é muito difícil reagir, [...] eu vejo comentários do tipo ‘por que voltaram lá?’, ‘por que não fizeram denúncia?’, é impossível as vítima ali gritar [sic] e fazer denúncia, é impossível, o esquema tá montado, nunca ninguém iria acreditar em nós, nunca, nunca iriam acreditar se você fosse ali e dissesse [...] eu ia ser ridicularizada”, contou.
Uma terceira mulher contou que após o abuso, tentou denunciar a situação para algumas pessoas da Casa Dom Inácio de Loyola. Porém, tudo foi em vão.
“Ele parecia um rei mesmo. Então eu saí da sala, porque ele me pediu para ir a uma sala, onde ocorrida uma corrente de oração. Ali, minha ‘ficha caiu’: percebi o abuso. Saí furiosa, eu falei para uma pessoa da Casa, que conduzia os trabalhos, que então me disse que o ato dele faria parte do tratamento”.
“Contei a mais duas pessoas da Casa, que não me deram crédito e reforçaram que a conduta faria parte do tratamento. Não se demonstraram surpresos”, afirmou.
Ela contou ainda que tentou confrontar o idoso, que negou tudo. Ele chorou, foi uma confusão, ficamos na sala por mais de duas horas. Ele negou, não conseguia falar, gaguejava, falava que estava passando por um câncer. Naquele momento, ele desmoronou. Ficou amuado, mas não ficou com medo”, disse.
A última vítima citada na decisão que determinou a nova prisão de João de Deus criticou os julgamentos que as vítimas sofreram ao denunciarem o caso.
“As pessoas não entendem como eu estava com medo, e sei que outras mulheres que sofrem estupros e abusos tiveram medo e vergonha, ficaram traumatizadas e foram silenciadas”. “Há muitos motivos para termos ficado em silêncio tanto tempo e para ainda haver tantas mulheres em silêncio. Não as culpo. Isso é horrível”, disse.
João de Deus foi preso no dia 16 de dezembro daquele ano. Desde então, já foi condenado por posse ilegal de arma e crimes sexuais contra 10 mulheres. Cerca de outros 12 processos ainda estão em análise na Justiça e correm em segredo.
Ele ficou detido no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, entre dezembro de 2018 e março de 2020, mas, por causa da pandemia da Covid-19, foi autorizado a ficar em prisão domiciliar.
Já em 26 de agosto de 2021, a Justiça determinou que ele fosse preso novamente em um presídio por entender que, sendo mantido em casa, poderia ter acesso às vítimas por telefone ou internet ou contato com intermediários que pudessem ameaçar as mulheres.
Ele já foi condenado por:
- por posse ilegal de arma de fogo, pena de 4 anos em regime semiaberto, novembro de 2019;
- por crimes sexuais cometidos contra quatro mulheres, condenado a 19 anos em regime fechado, em dezembro de 2019;
- por crimes sexuais cometidos contra cinco mulheres, sentenciado a 40 anos em regime fechado, em janeiro de 2020;
- por violação sexual mediante fraude, a dois anos e meio de reclusão, que podem ser cumpridos em regime aberto, em maio de 2021.